A cultura do Quilombo do Campinho, quase na fronteira entre Rio e São Paulo, às margens do asfalto do progresso, resiste. Em suas terras, a comunidade do Campinho da Independência preserva as raízes negras e luta contra a discriminação.
A Rodovia Rio-Santos é o principal acesso a comunidade, há poucos minutos do Trevo do Patrimônio, primeiro distrito carioca depois da fronteira com São Paulo. Poucos motoristas pareciam notar a pequena placa que indica: “Restaurante do Quilombo. Sejam bem vindos”! O acesso bem sinalizado leva a uma subida de paralelepípedos que termina na praça central.
Com uma aparência bucólica e construções de taipa, o Quilombo Campinho da Independência abriga uma história que começou no século XIX, quando a região era divida entre fazendas de monocultura. Com a abolição oficial da escravidão e o esgotamento da terra para a produção extensiva, os proprietários foram aos poucos abandonando o local.
Entre os trabalhadores que ficaram, estavam três mulheres: vovó Antonica, tia Marcelina e tia Maria Luiza. Segundo os mais antigos, todas as sete gerações que viveram no campinho são descendentes delas e de outras poucas famílias que chegaram depois.
Conquistada a liberdade, o quilombo cresceu e sobreviveu a partir da terra. Até a década de 70, a comunidade era praticamente autossuficiente, indo à Paraty apenas para vender excedentes, como banana e farinha. A alimentação era variada, com as mulheres sempre envolvidas em todas as etapas de produção. “Elas sempre diziam que a terra era para usos e frutos nossos”, conta a coordenadora de turismo, Daniele Elias Santos, ou Dani, como prefere ser chamada.
Quando a rodovia Rio-Santos começou a ser construída, os olhos do país se voltaram à região. Seu Valentim, ancião local que tem mais de 90 anos, ainda se lembra quando grileiros iam ao quilombo afirmando serem descendentes dos antigos fazendeiros.
“Alguns até, para enganar a gente, falavam que não seríamos despejados, mas que a terra era deles”, conta. Já Sinei Martins, da associação de moradores do quilombo, ressalta que muitas das fazendas que hoje margeiam a Rio-Santos surgiram com os posseiros e grileiros que chegaram pela rodovia.
Com o crescimento econômico do eixo Rio-São Paulo no século XX, a especulação imobiliária voltou a atrair os “herdeiros” dos antigos escravagistas. Durante a disputa pelo território, onde antes ficava a Fazenda Sertão da Independência, a comunidade precisou criar uma representação coletiva para facilitar o acesso à justiça. Em 1994 a Associação dos Moradores do Campinho foi consolidada, cinco anos antes de seu reconhecimento oficial.
O racismo contra a cultura quilombola fez com que um grupo de jovens assumisse a associação para desmistificar o preconceito dentro da própria comunidade. “Logo no início nós percebemos que aumentou até a autoestima do pessoal. Se antes falava que era moreninho, agora, eu sou negão”, lembra Sinei.
Basta andar pelas ruas para encontrar cartazes sobre os eventos do quilombo. Os grupos de hip hop e samba são alguns exemplos das atividades culturais que fazem parte do cotidiano na comunidade. Segundo Dani, o próprio jongo, que na época da escravidão estava mais ligado a limpeza espiritual, tornou-se uma dança de afirmação cultural.
Após a demarcação oficial do quilombo, as terras foram divididas entre as famílias em uma concessão que proíbe sua venda ou aluguel. Sentado no gramado em frente à Associação, Sinei explica como esse formato auxilia nos trabalhos comunitários: “A gente gostou bastante, até porque, garante uma busca constante de resgate da nossa cultura”.
Mesmo com diversas atividades nos espaços públicos do Campinho da Independência, a escola municipal ainda não é muito aberta às demandas e tradições do quilombo. São comuns as reclamações dos moradores sobre as dificuldade no diálogo com a Secretaria de Educação de Paraty.
Com a popularização da televisão, a dinâmica cultural mudou entre os moradores. Sidnei ainda ressalta as diferenças: “As crianças não rejeitam as culturas tradicionais, mas o que é empurrado pela TV parece muito mais atraente”.
Segundo Dani, são nas ações cotidianas dos núcleos familiares que os laços culturais se consolidam. Na frente do restaurante, ela conta com um sorriso no rosto que já vê meninos e meninas de 10 e 11 anos se afirmando: “Nós valorizamos muito a família, nossa terra e onde a gente mora. Temos que passar esses valores para nossos filhos, porque se a gente perder isso, vamos perder tudo”. Fonte: Quilombo do Campinho da Independência de Paraty.
Maravilhoso texto, lugar fantástico!!
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